Ontem foi um dia bizarro. não sei bem o porquê, ou talvez saiba. Acho que é a falta que o virusman faz. A taxa de surrealidade na minha vida anda muito baixa.
Então sempre acabam surgindo algumas situações estranhas, válvulas de escape para o stress de uma vida muito real.
Como ficar conversando com uma amiga de infância do meu tio enquanto a mãe dela (uma velhinha baixinha e muito simpática, advogada da nossa família) brigava com a impressora, tentando imprimir uma procuração. O episódio foi surreal não por isso, mas pela minha interpretação quase bem sucedida de um pseudo-técnico de computadores.
- Você tem essa impressora a quanto tempo?
- Uns dois anos... Mas ela nunca deu problemas...
Quando se juntam velhinhas e tecnologias com menos de vinte anos, por experiência própria, sei que os riscos são altos.
- A folha tá trancando... Vou abrir e ver se não tem alguma coisa presa ali dentro.
Desmonto a impressora toda e nada. Eu não devia fazer esse tipo de coisa. Afinal, eu sou um completo débil em informática, apesar de passar tanto tempo na frente de um monitor. E se eu fizesse alguma besteira, as moedas no meu bolso não dariam nem de entrada pra uma impressora laser igual àquela.
- Você entende de computador, meu filho?
- É... Na verdade não muito....
Pelo menos nesse ponto eu fui bastante sincero. A velhinha já estada carregando a impressora para a sala, pensando em se arrumar e levá-la a um técnico de verdade, quando eu resolvi tentar uma técnica milenar de conserto de aparelhos eletrônicos: a boa e velha chacoalhada.
Pois deu certo: haviam dois pequenos ímãs, daqueles usados para prender retratos, dentro da alimentação do papel. A velhinha me encheu de elogios, sobre como eu poupei dinheiro e humilhação para ela.
Segue a tarde feliz e contente, enquanto eu espero a Célia chegar, para vermos um filme. Por volta das quatro horas, liguei para o celular dela, afinal, às sete ela tinha horário no médico, e já deveria ter chegado, para vermos o filme a tempo. Ela disse que estava perto. Na praça. O que significava que em coisa de cinco ou seis minutos ela estaria surgindo na esquina. Fiquei na sacada esperando ela aparecer, enquanto meu miojo terminava de cozinhar (sim, eu sei que fica pronto em três minutos, mas eu nunca faço da maneira convencional. Aliás, tenho uma teoria de que ninguém faz miojo como manda a embalagem. Conheço centenas de pessoas com receitas idiotas envolvendo miojo, que somente elas mesmas entendem, compreendem ou mesmo gostam). Toca o telefone, e eu conversa meio minuto com uma pessoa de sotaque estranho que procura pela minha irmã. Volto para a sacada e espero...
O miojo já estava pronto, e a Célia não havia aparecido. Não sei quanto tempo fiquei na sacada, esperando-a, mas foi pelo menos o triplo do tempo previsto para a sua chegada. Passei o miojo para um prato, com muito molho e muito queijo. De repente, toca a campainha, e eu abro a porta para uma Célia sem ar e completamente suada, reclamando que o elevador não funciona.
- É que eles tão pintando um dos elevadores. E o que sobrou é aquele que não funciona direito.
- Não funciona nada! Ele não desce no térreo!
- Desce sim...
- Não desce não!
- Ele demora, mas desce. Eu ainda a pouco cheguei em casa e tive de esperar horas por ele.
- Que seja...
Assistimos o filme, apesar das interrupções. De cinco em cinco minutos o telefone tocava, sempre alguém procurando por minha mãe ou irmã. Em certo momento, cansei e resolvi não atender mais. E este telefonema que eu ignorei era exatamente o que eu devia ter atendido.
O filme, "Um Grande Garoto", é ótimo. Bizarro, surreal, meio estúpido, mas ótimo, como o são os filmes bizarros surreais e meio estúpidos. Hugh Grant é um solteirão de 38 anos que nunca trabalhou na vida, tem um carrão, um apartamento super maneiro, e é um verdadeiro cafageste. Depois de arruinar a vida amorosa de muitas mulheres, ele descobre uma estranha tara por mães solteras, pois elas fazem ele parecer "legal". É assim que ele conhece um moleque de doze anos meio pirado, bastante impopular e temeroso que a mãe tente cometer suicídio novamente.
O contraste moleque nerd/coroa playboy provavelmente faria muita gente que conheço se identificar com os dois personagens. Característica, aliás, de todas as estórias de Nick Hornby (autor de Alta Fidelidade, Como Ser Legal, e do citado Um Grande Garoto) é essa grande facilidade de se identificar com os personagens, pelo fato de, mesmo tão singulares, todos eles corresponderem a estereótipos comuns até demais. Surreal, não?
Terminado o filme, acompanhei a Célia até o terminal. Eu havia prometido acompanhá-la até a parada de ônibus alguns dias antes, mas ela pensou que eu arranjaria uma desculpa novamente para fugir ao compromisso (a primeira foi por causa da chuva - e não, eu não pego chuva). Ela entrou no ônibus e fiquei observando-a, dentro do ônibus, passar em frente de cada uma das janelinhas, até sentar num banco na parte de trás. Encostei-me na guarita (é esse o nome daquilo) onde ficam os motoristas, e fiquei olhando para ela, sorrindo, pensando em ficar ali (olhando e sorrindo sem parar) até que o ônibus começasse a se mover. Eu gosto disso. Olhar para ela. Apreciar a sua beleza. Aproveitar ao máximo a boa sensação que me dá olhar para ela, antes que ela vá embora e eu tenha de esperar até o dia seguinte para ter esta sensação novamente. Ao meu lado havia uma loira, calças jeans e blusa rosa. Demorou pra perceber que ela se incomodava com a minha presença ali do lado. Provavelmente ela pensava que eu havia me encostado ali, naquele canto, por causa dela. Preferi não argumentar com as minhas suposições ou as dela, e simplesmente me retirei.
No centro, encontrei com o Shao, meu eterno sócio. Descobri ter sido dele a ligação que eu ignorei. Sentei-me à mesa e fiquei conversando com o Shao (o que sempre é garantia de surrealidade ao extremo) e com mais uns dois amigos dele: um barbudinho da tele-entrega do Bob's e uma ruiva de cabelo maltratado, bastante bonita até, mas com uma dose óbvia de analfabetismo.
Os encontros e desencontros seguintes incluiram Miojo, Gabrioja e Lone voltando da pretensa "Galeria do Rock", cujo panfleto começava com a péssima frase "Você que é punk, hardcore, metal..." e sei lá como continua; um gordo barbudo e medroso, tio do Shao, que passava correndo cada vez que este o interrogava sobre a geladeira e casa (que o mesmo gordo barbudo medroso havia supostamente assassinado); uma loira estereotipada frequentadora do Café Cancun que não conseguiu compreender porque eu disse que não acreditava que o "Lugar Legal" iria ser o tipo de ambiente feito para ela; um moranguinho; dentre outros seres bizarros.
Cometi o grande erro de passar pela Escadaria do Rosário no caminho para casa. Os comentários sobre aquelas pessoas impúberes e vestidas de preto ficarão fora desta narração deficiente.
Chegando em casa, conversei um pouco com a Célia pelo telefone, e pouco depois tive a infelicidade de ter de suportar o papo mosca do irmão dela pelo ICQ, enquanto esperava ela sair do banho. Hoje eu vou aparecer na casa dela, e acho que vou quebrar um braço ou dois do moleque, pra ele aprender a não ser tão folgado. Será que eu era tão chato assim nessa idade? Provavelmente sim.
Me irritei com o papo mosca e fui comprar cigarros. Na volta, um rapaz maltrapilho me chamou. Tentei ignorar, mas o chamado continuou, alto demais para eu fingir que não era comigo. Antes que o rapaz pudesse se manifestar, eu já tirava um cigarro do maço (o motivo para um estranho maltrapilho me chamar era bastante óbvio). Não satisfeito com o cigarro que ganhara, o rapaz ainda quis puxar conversa. Boa parte do caminho até o meu prédio foi ocupado por uma bizarra conversa sobre as drogas que cada um já usou, as que mais gostaram, as que ainda usam (legais ou ilegais), sobre como ele tinha de sustentar a mãe sozinho, já que tinha o pai falecido e todas as suas irmãs haviam casado e saído de casa. Me contou que trabalhava no Café Cancun e mostrou o uniforme, que carregava no ombro. Fiz o papel de "bro". Recusei o convite para fumar um baseado, disse que tinha parado com essas coisas, falei que meu pai havia falecido também, etecetera e etecetera. Dei até um pouco de corda, admito. Afinal, apesar de chato, ele não parecia má pessoa.
Voltei para casa para alguns minutos de conversa agradável com minha amada namorada pelo ICQ, e para convencer a Carol a sair com a gente hoje.
- Zunto! O que vamos fazer amanhã?
- Tentar dominar o mundo?
- Pink e Cérebro? Ahahahah. Boa idéia.
- Festerê em barreiros. Topash? :P
- Festerê de que? Vai ter cerveja? Eheheh.
- Nopes. É dois pila de entrada, mas cada um leva sua bira. :P
- É festa de que?
- DJ's amigos meus.
- É na casa de alguém?
- Sim. Do Bento, camaradinha meu.
- Hummm. Pode ser uma boa idéia.
- Pode ser um escambau! :P Você perguntou "o que vamos fazer amanhã?" e eu te disse: nós VAMOS nessa festa! :P "Nós" inclui vc :)
- Ueeeba! É por isso que eu gosto de ti :*****
E assim termina o tutorial de como convencer alguém a sair com você. Com o tempo vocês pegam a prática. Saí relativamente cedo do computador, estava meio quebrado, queria deitar. Eu havia deixado o segundo filme, "O Homem que Não Estava Lá", pausado já a uma ou duas horas. Não comecei a ver porque não consegui achar meus óculos. Fui achá-los num lugar extremamente estúpido e óbvio, logo na entrada do quarto. Agora eu já podia ver o filme. Um filme surreal, só pra variar.
Depois de terminar o filme, comecei a vasculhar os bônus do dvd, um hábito que às vezes irrita a Célia, mas como eu estava sozinho, podia fazê-lo sem preocupações. Sem mais nada para fazer, virei para o lado e tentei dormir. Nos primeiros cinco segundos de quase-sono, levantei assustado, pois havia ouvido um grito. Demorou mais alguns segundos pra perceber que o grito havia ecoado somente dentro da minha cabeça. Tentei de novo, mas levantei novamente assustado, pois havia sentido como se alguém pulasse na cama. Aquilo era o ponto alto de surrealidade da noite. Eu não estava bêbado, doente ou drogado. Então porque diabos cada vez que eu fechava os olhos, pessoas gritavam na minha mente, eu tinha a sensação de pessoas caminhando à minha volta, e a cama parecia contorcer-se embaixo de mim?
Liguei a televisão, deixei num volume bastante baixo, mas não baixo o suficiente que não me permitisse a confirmação de que ela estava ali, funcionando. E então dormi.
Para completar um círculo de vinte e quatro horas de surrealidade, entrei no blogger e digitei um longo texto inútil sobre o meu dia de ontem. Nossa! A quanto tempo eu não uso este blogue como uma espécie de diário? Muito, muito tempo...
- Felipe Meyer
- Publicitário, redator e pseudo-quadrinhista. Ser humano do gênero masculino mais perto dos 30 que dos 20. Gestor de conteúdo do Jornal de Debates. Formado em Comunicação Social pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Casado, pai de uma linda coleção de revistas em quadrinhos, exilado de Florianópolis e tentando fazer a vida em São Paulo, na Auszuglândia.
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