Desta vez eu estava do lado errado da ponte. Quando vi que a luz não pretendia de forma alguma voltar tão cedo, liguei para a Célia e pedi que ela - também - não viesse. Não queria que ela enfrentasse as ruas escuras do centro florianopolitano - que, vocês sabem bem, já não é o mesmo desde que aquela ponte foi construída - por um capricho de querer me ver (capricho meu, na verdade, que sentia como se não a visse a semanas, tamanha a saudade). Aproveitei para exercitar o meu lado "central telefônica", acalmando as mães de amigos do meu irmão que ligavam incessantemente para cá, em variados estados de nervosismo, procurando informações sobre os rebentos perdidos. no fim das contas, a pivetada toda estava no continente, na casa de uma outra menina, e sequer sabiam do que acontecia neste lado do jurerê-mirim.

Tive de pensar rápido, organizar na minha cabeça os itens de sobrevivência que me faltavam, e decidi ir ao supermercado comprar muito pão, um pacote extra de velas e um maço de cigarros. Isso, mais um rádio a pilhas, com certeza me ajudariam a passar uma madrugada insomne e sem tevê a cabo ou internet. Na fila do supermercado ouvi uma frase que sintetisava todo o espírito da coisa:

- Mais uma noite de acampamento, hein!

Enquanto pagava o "kit apagão" versão nerd recluso, me pus a pensar no que poderia ter ocorrido. Provavelmente a ligação "90 dias em meras 48 horas" de tão engabelada e improvisada, havia se partido por culpa do vento. Um telefonema da Célia confirmou isso, mas o rádio me deu maiores detalhes: a ligação não havia sido feita pra suportar ventos mais fortes que cento e vinte quilômetros por hora. Penso eu que não havia sido feita pra suportar merda alguma. Dizer que técnicos super bem preparados levaram horas fazendo os cálculos é de se desconfiar ao sair de uma boca que disparava seus "nós se reunimos", "o comandante dos bombêro" e "os cabo seco" em plena coletiva à imprensa. Esta, aliás, foi a demonstração da ironia que vive o nosso governo. O governador gaguejava, repetia palavras, tropeçava nas palavras mais difíceis e acabava criando frases sem sentido algum. Um senhor representante de nossa companhia elétrica irritou-se com um jornalista já na segunda pergunta e pôs-se num escândalo, totalmente irritadiço. Voltando a falar do vento, um radialista disse, e muito bem dito:

- Eles moram em Floripa e nunca ouviram falar de vento sul?

E este desconhecido vento sul é o grande terrorista desta nossa noite sombria. Numa aitude maléfica, típica da odiosa mãe natureza, o demônio vento sul jogou um dos cabos improvisados contra um dos pilares da ponte Colombo Salles, fazendo assim um fio-terra, o que levou o sistema a desligar-se sozinho, por segurança. E o senhor representante gritava, no palácio da agronômica:

- Eu já disse que o cabo tá perfeito! A gente ligou por um minuto, e se funcionou um minuto, é porque o cabo é perfeito! Eu posso mandar ligar a hora que eu quiser! O cabo tá perfeito!

Quando o mesmo anunciou sua ordem de que religassem o cabo, por ter o vento fraquejado, penso eu que o fez para provar que podia.

- Ó! Não falei que tava perfeito? - ele diria, provavelmente, se lhe faltasse (mais) prudência.

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