Coisa de vinte anos atrás (por mais absurdo que seja, pra mim, começar uma frase sobre meu passado com "coisa de vinte anos atrás") meu pai participou de um evento com o designer Hanz Donner, e voltou para casa realizado, sorriso de orelha a orelha porque tinha conseguido um autógrafo do dito cujo. Na época, a única coisa que me acendia na cabeça à menção de Hanz Donner era "Mulata Globeleza", mas meu pai dizia que ele era o cara que ia mudar a comunicação brasileira.
O herói do meu herói pode não ser necessariamente meu herói também, mas com certeza é alguém a se respeitar, e muito. Portanto é natural que a palestra dele fosse a que eu mais esperava ver no Festival de Gramado. Logo de início ele deu o aviso: "eu vou mostrar pra vocês muitas fotos da minha esposa, dos meus filhos, mas vocês vão entender como tudo tem conexão com o meu trabalho". E de fato, são duas horas mostrando imagens do livro que ele escreveu, das viagens que fez com a família, das férias que ele tira vez ou outra para esquiar nas montanhas... De design e comunicação, mesmo, falou muito pouco. Claro, ele aproveitou para contar toda a trajetória dele dentro da Globo, e da contribuição dele para tornar a rede uma das maiores do mundo. Falou também de Santos Dumont, falou de amor pelo Brasil (incluindo um desejo irritante de incluir um coração na bandeira nacional, além dos já característicos degradê e sombreado, que permeiam todo o trabalho dele), e do seu relógio, o Time Dimension, que segundo ele é a única tentativa legítima na história mundial de criar um design para o tempo.
Saí do auditório irritado, atordoado, sem paciência para ver os quinze minutos restantes. Na minha cabeça, Hanz Donner era um gringo maluco, arrogante e com complexo de Deus. Muitas pessoas que encontrei no hall partilharam da minha opinião. A coletiva de imprensa iria mudar minha perspectiva.
Mais tarde, quando estávamos jantando, uma publicitária velha e tão maluca quanto o Hanz me explicou: "pra gente, que é publicitário, ele tem que se vender, dar uma de maluco, mostrar aquele monte de bobagem. Vocês, da imprensa, já são peixe fisgado. Ele não precisa impressionar, pode ser ele mesmo". Ela ficou um pouco constrangida quando eu disse que era publicitário também, e não jornalista como ela pensava. Mas não vem ao caso. O que vem ao caso é que o gringo maluco realmente se mostra outra pessoa longe da platéia. Na sala de imprensa, junto com outras oito ou nove pessoas, eu pude ver quem é o Hanz Donner de verdade. Ficar a dois metros de distância do ídolo do meu pai me paralisou, e uma amiga teve de entrevistá-lo, já que eu não conseguia. Lá dentro eu pude perceber que apesar dos toques de insanidade (e que bom visionário não os tem?) Hanz Donner não tem nada de arrogante. Tem, sim, de deslumbrado, como disse outra publicitária que conhecemos no hotel. Tem de grato, assim como tem de invejoso de quem nasceu aqui, nessa terra que ele tanto preza. Quando perguntado por uma jornalista bahiana sobre a herança que queria deixar para os filhos, ele disse: "Quero deixar orgulho, e oportunidade. Quando vim para o Brasil, haviam muitos gênios aqui, muito mais geniais do que eu, e que podiam ter feito um trabalho bem melhor que o que eu fiz. Mas não tiveram a mesma chance porque eram brasileiros, e eu não".
Ao fim da entrevista, me aproximei e disse: "Coisa de vinte anos atrás meu pai foi a um evento que você participou em Floripa..." e ele me interrompeu na hora, abrindo um grande sorriso e citando o nome de todos os palestrantes daquele evento (não faço idéia se ele acertou ou não, mas afinal, ele estava lá, eu não). Me emocionei na hora. Quase perguntei se ele lembrava de um gorducho barbudo na primeira fileira, mas aí seria viajar demais na fantasia e na tietagem. Continuei: "Meu pai chegou em casa realizado porque tinha lhe conhecido. Meu pai não é mais vivo hoje, mas eu queria muito poder chegar em casa amanhã e poder compartilhar com ele que tive a mesma experiência".
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deve mesmo ter sido altas sensação.
Só de ler aqui, já fico nervoso! auihaiuha
abraço rapaz