1 - Pra começar, um detalhe bastante simples, mas que muitos esquecem. Dinheiro, por essas bandas, só é verde se for nota de um real. Portanto, ao fazer transações entre policiais corruptos e traficantes, por exemplo, faça o favor de pintar o dinheiro de azul ou, no mínimo, amarelo. Esse lance de fazer tudo em dólar é clichê demais.
2 - Se você conhece bastante sobre quadrinhos, deve saber que o uniforme do Super-Homem foi criado em homenagem aos lutadores de circo (se não sabia, matei a sua curiosidade). A estrutura dos quadrinhos que conhecemos hoje vem de uma série de outras influências, como os "pulps" e as "óperas espaciais". Portanto, é compreensível que os heróis gringos tenham super-poderes que só a ciência explica (de uma forma nem sempre convincente), uniformes colantes e coloridos, e combatam o crime somente pelo orgulho em se fazer justiça. No Brasil, podemos lembrar de influências similares. Ao invés dos lutadores de circo, temos o telecatch. Ao invés das óperas espaciais, temos os quadrinhos de terror e o "terrir". E ao invés dos "pulps", temos as fotonovelas e os catecismos. Portanto, antes de criar um personagem super-musculoso com a cueca por cima das calças e que solta raios dos olhos, eu sugeriria uma roupa chamativa e mal acomodada no corpo, com as costuras aparecendo; quem sabe mordido por um vampiro ou possuído por um demônio.
3 - Muitos acreditam que os heróis nacionais, em sua totalidade, são cópias deslavadas dos gringos. Estes, não sabem do que falam. Muito antes de Jessica Jones, da série Alias (do selo Marvel MAX) insistir em dizer que não é uma super-heroína e sair por aí querendo fazer dinheiro como detetive particular, Emir Ribeiro já eliminava os uniformes de sua personagem Velta e cobrava altíssimos preços por seus serviços. Os gringos nos copiaram? É claro que não. Mas este pequeno exemplo mostra que, a maior notoriedade de um, acaba ofuscando a maior criatividade de outro. Casos como esse não são isolados. Vampirella surgiu poucos anos após seu criador ter conhecido Eugenio Colonesse, que já trabalhava com a vampira Mirza. O mesmo Colonesse contava ótimas histórias do Morto do Pântano antes que o Monstro do Pântano desse as caras nas revistas. Gedeone Malagola criou seu personagem Raio Negro calcado no Lanterna Verde, mas criou um conceito de patrulha estelar com muita antecedência aos autores do "copiado". Em 1958 surgia no Brasil o Vigilante Fantasma, um motoqueiro que combatia criminosos tendo como arma uma corrente. Já em 1968, quem dava as caras era o Patrulheiro Fantasma, o espírito de um patrulheiro rodoviário que fazia justiça pelas estradas brasileiras em sua moto sobrenatural. somente em meados de 1973 os gringos iriam surgir com o seu Motoqueiro Fantasma.
Por isso, antes de buscar referências em Spawn, Homem-Aranha e X-Men, lembre que em várias ocasiões, "nossos quadrinistas são mais criativos que os outros".
4 - Na década de 60, Stan Lee criou os X-Men como uma forma sutil de falar sobre racismo. Até hoje a rivalidade entre Magneto e Xavier é comparada às diferenças de discurso de Martin Luther King e Malcon X. No Brasil, temos Zumbi, Chico Rei, além da velha frase que diz que aqui as pessoas fingem que não existe preconceito.
5 - Mais além, temos um período negro de nossa história que não equivale a nada na história americana. Chama-se ditadura. "Subversivos", de André Diniz, para mim é tudo o que uma história de "X-Men" seria se fosse criada no Brasil.
6 - "Quadrinho nacional tem peito e bunda demais". E daí? Não é nada diferente do que vemos em nossas televisões todos os dias, nos Big Brothers da vida. Existe uma grande diferença, porém, entre a pura exploração da sexualidade para balancear a falta de conteúdo de uma história em quadrinhos; e uma história bem escrita e empolgante, que utiliza o sexo como recurso secundário para ilustrar realismo e coerência (afinal, não vá me dizer que Super-Homem e Homem-Aranha, heróis casados a anos, não trepam).
7 - Em um país onde o mercado quadrinístico é quase inexistente, fazer sagas intermináveis chega a ser estupidez. No máximo, fará com que o leitor pegue o bonde andando em uma revista que provavelmente não terá continuação, e que fará com que o personagem seja rapidamente esquecido. Se você criou um cenário bem detalhado, personagens ricos em suas descrições, com tramas complexas e bem elaboradas, pelo menos certifique-se de que cada história tenha início meio e fim. Isso garantirá que o leitor se divirta com a revista nas mãos, mesmo que desconheça o universo do personagem. A edição "30 anos de Velta", de Emir Ribeiro, é um bom exemplo disso. É a continuação de uma saga criada por Emir anos antes, e a primeira história da revista já é, por si só, a segunda parte de uma aventura publicada cinco anos antes. No entanto, ele nos presenteia com "flashbacks" e diálogos, além de textos explicativos entre as histórias curtas, que colocam mesmo aqueles que nunca ouviram falar de Velta; completamente sintonizados com as criações do autor.
8 - Lá fora, histórias em quadrinhos são automaticamente ligadas a super-heróis. Aqui, quadrinhos de super-heróis fabricados em território nacional, dificilmente são levados a sério. Reflita estas posturas através de suas histórias. Ao invés de escrever sobre heróis pomposos adorados pelo público, por exemplo, escreva sobre um mundo onde os super-heróis não existem, ou se existem, ninguém sabe de (ou acredita em) sua existência. Neste caso, de quê serviriam identidades secretas, uniformes e máscaras?
9 - Aliás, para que escrever sobre super-heróis? Este é apenas um gênero dos quadrinhos, e não sua grande identidade. Nada impede que você escreva sobre homens voadores e alienígenas justiceiros, e ainda assim mantenha uma identidade brasileira em suas histórias. Mas nada impede também que você ultrapasse essas definições e escreva sobre policiais, cangaceiros, revolucionários, estudantes, etecetera.
10 - Na hora da escolha dos nomes, Paulo, Pedro e Bruno são melhores que Michael, Bruce e Jack. Ao invés de Nova York, ambiente sua história em São Paulo (que você pode visitar após uma viagem de ônibus ou simplesmente buscar referências de prédios e cenários pela internet) ou em sua própria cidade natal. O que faz de Los Angeles tão melhor que São Francisco do Sul para que um ser super-poderosos surja em uma e não na outra?
11 - Origens bem detalhadas são apreciadas pelos leitores. Dizer que "o personagem é assim, porque nasceu assim" demonstra uma grande falta de criatividade e preguiça em se pensar em coisa melhor, numa época em que os quadrinistas se acostumaram demais a dizer que todos são "mutantes". Ser picado por uma barata trangênica também não é um exemplo de grande originalidade. Lembre que os leitores são menos ingênuos hoje que a quarenta anos atrás, e pequenos acidentes não convencem mais para explicar grandes poderes. Por exemplo, um personagem como o Hulk, se criado no Brasil, poderia ser um funcionário ocioso de uma usina nuclear que, afetado por um vazamento de radiatividade, tornaria-se um monstro cancerígeno ambulante, cuja explicação da grande força (não tão grande quanto a do Hulk gringo) seria o descontrole emocional intenso, e da resistência sobre-humana seria a diminuição da sensibilidade à dor, causada pelo acidente.
12 - Por fim, lembre-se que a HQ nacional tem uma longa estrada e muita coisa boa foi escrita e desenhada através dos anos. Watchmen e Cavaleiro das Trevas são ótimas referências, sem dúvida; mas mestres como Lourenço Mutarelli, Flavio Collin e mesmo "iniciantes" como Gabriel Bá e Fábio Moon certamente são escolhas melhores no quesito "brasilidade".

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