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Luciana estava entediada. Se mudara para Florianópolis há dois meses, para estudar, e ainda não tinha praticamente nenhum amigo, e conhecia muito pouco da cidade. Sentou na frente de uma loja, ao lado do colégio onde se matriculara para um se preparar para o vestibular, e reparou num rapaz de calças largas e cabelo pintado, que conversava com um grande grupo de pessoas, falando alto e rindo. Encontrou-se rindo sozinha, devido ao “estilo” do fulano, e se assustou ao perceber que ele vinha em sua direção.
“Oi”, disse o rapaz, “você parece chateada com alguma coisa... Que tal esfriar a cabeça se divertindo um pouco?”, e lhe entregou uma caixinha de fósforos, daquelas feitas de papel, e que geralmente têm nomes esdrúxulos de motéis estampados na frente.
Luciana aceitou, meio constrangida, e deu ao rapaz um sorriso meio bobo, esperando ele ir embora. Lutando contra a vontade de jogar os fósforos na lixeira mais próxima, baixou os olhos e leu o que estava escrito nela: “Um Lugar Legal! Som legal, Gente legal, Cerveja barata!”, e um endereço.
Ficara curiosa, e desde que viera para a “Ilha da Magia”, praticamente não havia saído de casa, não fosse para ir ao supermercado ou ao colégio. Sugeriu à menina com quem dividia apartamento, tentando fingir uma certa falta de empolgação, que saíssem para dançar, respirarem outros ares, que não aquele mesmo cheiro de sempre de livros sobre a mesa e dinheiro na escrivaninha para o aluguel.
O tal “Lugar Legal” ficava no centro, a umas duas quadras de distância do terminal de ônibus, por isso foi bem fácil para as duas encontrarem o lugar. Na entrada, algumas pessoas conversavam alto, rindo mais alto ainda, e um homem grande e barbudo guardava o que obviamente era a entrada do local.
Quando se aproximaram, o mesmo rapaz de cabelo pintado (e calças agora não tão largas) percebeu Luciana, e veio falar com ela. “Você veio”, ele brincou, e pegou Luciana de surpresa ao perguntar sua idade. “Dezoito”, ela respondeu, gaguejando um pouco. “Essa menina linda está com você?”, perguntou também, e obteve resposta afirmativa.
Perguntou o nome das duas, e pediu pra ver as identidades. Segurando-as em cima de uma prancheta, anotou algumas coisas numa folha de papel, e disse: “Vocês duas são minhas convidadas especiais hoje”, e se virou para o porteiro. “Leonardo!”, ele gritou, “Deixa essas duas entrarem”, e antes que elas passassem pelo gigante para subir por uma escada estreita, o rapaz avisou: “Se quiserem beber alguma coisa, logo na entrada tem um caixa vendendo as fichas. Vocês vão ter de apresentar a identidade pra pegar uma fitinha de consumação. Sem essa fitinha, ninguém vai vender nada alcoólico pra vocês”, e piscando um dos olhos, devolveu-lhes as carteiras de identidade, que elas por pouco não esquecem com ele.
Ao fim da escada, as duas amigas interromperam uma rápida conversa, talvez ainda surpresas com o local, talvez por perceberem a dificuldade de um diálogo prolongado naquele ambiente. Um som rápido e pulsante, que pouco se fazia escutar da rua, fazia as paredes vibrarem, e uma multidão de pessoas de penteados diversos dançava e pulava, algumas delas segurando pequenas garrafas de cerveja, ou copos com “drinks” coloridos.
Dirigiram-se ao caixa, com as identidades ainda à mão, e compraram algumas fichas. No bar, duas moças e um rapaz bem vestidos dançavam e serviam agilmente a várias pessoas que se acotovelavam à frente de um balcão. Um pequeno cardápio colado ao mesmo apresentava o nome de várias bebidas, e Luciana resolveu experimentar um “Orgasmo”, apesar das gozações de sua amiga quanto ao nome do drinque.
Na pista de dança, um DJ brincava com o público, atrás de uma mesa cheia de equipamentos e televisões que passavam imagens de computador, e desenhos japoneses. A combinação de luzes e som rápido dominavam as pessoas, levando-as a uma euforia conjunta, cantando e dançando, sem uma combinação precisa de passos ou ritmo.
A certo momento da noite, a amiga de Luciana passava mal, tendo dosado mal a quantidade de bebida, ou mesmo a combinação entre elas. Sentaram-se as duas em um confortável sofá, em uma sala adjacente sem tanto “barulho”, onde casais se beijavam, em outros sofás, ou inclusive no mesmo sofá onde estavam as duas. Próximo dessa sala, havia uma outra com várias máquinas de fliperama, e Luciana observou que a maioria das pessoas dessa sala não usavam a “fita de consumação”, logo deduziu que eram menores de idade, impossibilitados de beber nada além de refrigerantes, e se viu rindo sozinha, mais por bobagens que lhe passaram pela cabeça, que por desdém.
Chegar em casa não fora difícil. O terminal de ônibus era perto o suficiente para que Luciana não tivesse de “carregar” a amiga por muito tempo, e já quase amanhecia no horário em que foram embora, não tendo que esperar mais que alguns minutos para a saída do próximo ônibus.
Na manhã seguinte, atordoada, a amiga de Luciana falava mal do lugar, irritada com a própria ressaca. Luciana tentou lhe contar sobre as pessoas que conhecera, as músicas que dançara, os números de telefones que haviam lhe dado, mas a amiga mal ouvia. Estava claro que não havia possibilidade de irem novamente para lá. Na semana seguinte, Luciana foi sozinha.
- Felipe Meyer
- Publicitário, redator e pseudo-quadrinhista. Ser humano do gênero masculino mais perto dos 30 que dos 20. Gestor de conteúdo do Jornal de Debates. Formado em Comunicação Social pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Casado, pai de uma linda coleção de revistas em quadrinhos, exilado de Florianópolis e tentando fazer a vida em São Paulo, na Auszuglândia.
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