Nesta família, reclama-se pelo prazer de reclamar

No início da tarde meu irmão espernava. Minha mãe demorara muito ao telefone e isto adiara o compromisso dos dois de irem ao cartório fazerem uma procuração ao nome do rapaz.
Não contente em espernear, gritava palavrões e socava a cama, como se tal ato de violência gratuita contra o objeto inanimado lhe desse mais tempo. Ora. Se estava com tamanha pressa, que houvesse se ajeitado para sair já antes da mãe desligar o telefone.
O motivo de tamanha revolta era que por causa disso tudo, o pirralho teria menos tempo para passar com seus amigos. Pois nem deu-se uma hora da saída dos dois, meu irmãoadentrou o apartamento pela porta da cozinha, rapidamente tirou os calçados e se pôs a ver televisão e, em seguida, a dormir. Tempo desperdiçado que poderia passar com os tais amigos (que, suspeito, ele sequer viu hoje). Reclamava por reclamar.
À saída dos dois, de minha mãe e meu irmão, tocou o telefone. A chamada era a cobrar, e pelo toque diferente já soube de antemão que deveria ser minha irmã, ligando de Belo Horizonte. Fiz rápidos sinais com as mãos para que minha mãe não fizesse barulhos e apressasse-se em seu caminho, que eu mesmo cuidaria da situação.
O motivo da ligação não podia ser outro senão dinheiro. Tentei explicar que não o tínhamos, que a quantia da pensão deste mês havia sido menor que a esperada, mas ela se prostou indignada e pôs-se a reclamar. Repetia diversas vezes o quanto havia gasto na mudança, lembrava do compromisso assumido com o aluguel, e em determinado momento, aproveitou para ameaçar: caso não lhe enviássemos no mínimo cinquenta reais para gastos com comida, pois que déssemos um jeito de lhe enviar ao invés dos cinquenta, cem reais, para que ela voltasse para Florianópolis de uma vez por todas.
Deixei-a falando por um bom tempo, com o fone afastado dos ouvidos para melhor filtrar as suas reclamações, e então desliguei, sem levar em conta a ameaça. Pois se mal temos dinheiro para nós próprios comermos, como sustenta-la à distância, depois de tantos gastos que esta viagem já nos trouxe? Tudo questão de orgulho, eu diria. Ela agora vive com o namorado, que firmou contrato com a banda do senhor Wilson Sideral. Mas por puro orgulho, revolta-lhe a idéia de pedir dinheiro ao namorado, que lá ganha em uma apresentação mais do que ganharia aqui em em mês; e prefere exigir dos seus, que não o tem.
Volte, se quiser, eu deveria ter dito. Mas que volte a pé, pois exige de nós mais do que temos.
Dito pelo não dito, independentemente do que tenha reclamado, dinheiro não há. Continuará reclamando, portanto, pelo prazer de reclamar.

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