Os Winshaw

O Legado da Família Winshaw é um forte documento da história sócio política da Inglaterra entre os anos de 1942 e 1991. Apesar de sua trama ficcional, carrega um pano de fundo bastante real e palpável, criando um contraste que condiz perfeitamente com a crítica ácida que o livro propõe. Uma crítica não só à Inglaterra, mas a todas as grandes potências capitalistas, e seus líderes arrogantes e super-poderosos, sempre capazes de esquecer o que foi dito anteriormente e perpetuar a luta contra seu grande inimigo, que o autor identifica no trecho abaixo:

* * *

Henry fez uma pausa, limpando distraído o molho do prato com o dedo.
- Vamos dizer assim: sabia que durante os próximos cinco anos estávamos planejando eliminar a merenda escolar gratuita para mais de meio milhão de crianças?
- Não creio que vá ser lá uma medida muito popular, diria eu.
- Ora, naturalmente a grita vai ser grande, mas depois vai passar, e outra coisa vai preocupar as pessoas. O importante é que vamos economizar muito dinheiro e enquanto isso toda uma geração de crianças da classe operária ou de famílias de baixa renda não vai comer senão sucrilho e chocolate todos os dias. E no fim isso vai significar que vão crescer fisicamente mais fracas e mentalmente retardadas. - Dorothy ergueu uma sobrancelha diante dessa declaração. - Ah, sim - acrescentou ele, para tranquilizá-la. - Uma dieta com alto teor de açúcar retarda o desenvolvimento mental. Os nossos já provaram isso. - Ele sorriu. - Como todo general sabe, o segredo da vitória em qualquer guerra é desmoralizar o inimigo.

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Saddam, nós vamos invadir sua praia!

Os Winshaw são constantemente culpados, pelo autor, pelas maiores desgraças da história recente da humanidade. O sucateamento do Sistema Nacional de Saúde britânico, a banalização dos meios de comunicação, a miséria em países de terceiro mundo, a saúde precária de milhões de pessoas devido ao consumo excessivo de produtos industrializados (Michael Owen, o autor criado pelo autor, chega a acusar um a um os membros da Família Winshaw pelo assassinato de seu pai); e até os conflitos com o Iraque.

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Thomas conta a história de um debate que aconteceu entre os diretores do banco durante o almoço na City, numa tarde de sexta-feira: um almoço para o qual Mark fora convidado. A conversa havia girado em torno da recente demissão de um dos sócios por causa do papel assumido pelo banco na crise do Kwait. Thomas se sente na obrigação de explicar os detalhes dessa crise a Mildred, presumindo que, como mulher, não deve saber nada a respeito dela. Então lhe conta como o Kwait foi declarado um Xecado independente em junho e como, apenas uma semana depois, o General de Brigada Kassem tinha anunciado sua intenção de absorve o país, incorporando-o ao seu, alegando que de acordo com os precedentes históricos, ele sempre fora uma "parte integrantedo Iraque".
Ele recorda a ela que o Kwait havia pedido apoio militar ao governo britânico, que lhe prometera tanto o secretário do Exterior, Lorde Home, quando o Lordedo Selo Privado, Edward Heath; e que, desde a primeira semana de julho, mais de seis mil soldados britânicos haviam sido levados para o kwait do Quênia, Aden, Chipre, Reino Unido e Alemanha, estabelecendo uma linha de defesa de cento e dez quilômetro a apenas oito quilômetros de fronteira, em prontidão no caso de um ataque iraquiano.
- O caso é - disse Thomas - que esse cara, um sócio mais novo, o Pemberton-Oakes, não aguentou o fato de que ainda estávamos emprestando altíssimas quantias para os iraquianos para ajudá-los a financiar seu exército. Disse que eram inimigos, e que estávamos, de certa forma, em guerra com eles, e que não devíamos estar ajudando os sujeitos. Disse que devíamos fazer negócios com o Kwait, por uma questão de princípio - acho que foi essa a palavra que ele usou - mesmo que eles pedissem empréstimos desprezíveis e o banco não fosse capaz de obter muito lucro com eles a longo prazo. Bom, aí se formou um verdadeiro rolo, todo mundo se intrometendo dos dois lados, apresentando pontos de vista alternativos, quando alguém teve a brilhante idéia de perguntar ao jovem Mark o que ele achava.
- E o que ele disse? - pergunta Mildred com um tom resignado na voz.
Thomas deu uma risadinha.
- Disse que era absolutamente óbvio, pelo que ele podia ver. Disse que devíamos emprestar para os dois lados, é claro, e se a guerra começasse, devíamos emprestar mais ainda, para eles continuarem lutando durante o maior tempo possível, usando cada vez mais equipamentos e perdendo cada vez mais homens, ficando cada vez mais devedores nossos. Deviam ter visto a cara deles! Bom, provavelmente era isso que todos estavam pensando, entende, mas ele foi o único que teve a coragem de dizer tudo na cara de todo mundo. - Ele se volta para Mark, cujo rosto, durante toda a conversa, permaneceu absolutamente impassível. - Vai ter um futuro brilhante no campo bancário, Mark, meu velho. Um futuro brilhante.
Mark sorri.

* * *

Peguei o controle remoto da televisão e estava para desligá-la. O menino de olhos fixos e inexpressivos, as costas tão rígidas e tensas como as de Fiona quando ela se sentara no meu sofá, não estava mais na tela: mas o homem com a aparência de tio, com aquele largo sorriso e o bigode preto e espessoainda estava pisando duro, para lá e para cá, dessa vez com uma farda completa e cercado de homens da mesma idade e nacionalidade e comportamento. Eu o observei mais alguns segundos e senti outra lembrança começar a recuperar a forma.
- Sei quem é esse aí - disse eu, apontando para ele e estalando os dedos. - É o... como é mesmo o nome... presidente do Iraque...
- Michael, todo mundo sabe quem é esse aí. É o Saddam Hussein,
- Ah, issmo mesmo, o Saddam Hussein. - Depois, antes de desligar a televisão, perguntei: - Quem era aquele menino que estava com ele? Aquele que ele estava tentando abraçar?
- Não tem assistido aos jornais ultimamente? Era um dos reféns. Ele anda exibindo-os na televisão, como se fossem gado ou coisa parecida.
Isso não fez muito sentido para mim, mas estava na cara que não era hora de explicações elaboradas.

* * *

Os dois artigos que eu havia escolhido para comparar eram exemplos do lado político de Hilary. Embora estivessem separados por mais ou menos quatro anos, apresento-os aqui como Fiona e eu os lemos naquele dia: lado a lado.







HOJE RECEBI UM BOLETIM de um grupo que se denomina Os Defensores da Democracia no Iraque - ou, para abreviar, ODDI.
Alegam que o Presidente Saddam Hussein é um ditador brutal que conserva o poder através da tortura e da intimidação.
Ora, tenho um conselho a dar a esse bando de ODDIs idiotas: tratem de conferir os fatos!
Quem foi o responsável pelos programas de assistência social que trouxeram melhorias tão grandes na habitação, na educação e na assistência médica em todo o Iraque?
Quem foi que concedeu aos iraquianos os recentes direitos a receberem pensão e salário mínimo?
Quem instalou sistemas de irrigação e drenagem mais eficientes, fez empréstimos generosos aos fazendeiros locais e prometeu "saúde para todos" até o ano 2000?
Quem é que nada mais nada menos que o presidente Reagan mandou retirar da lista de líderes políticos acusados de apoiarem o terrorismo?
E quem mais, de todos os líderes do Oriente Médio, abriu os cofres do governo, conforme prometeu, e deixou que tantas construtoras e indústrias britânicas ajudassem na reconstrução de seu país?
Pois é, foi o tal "brutal e "torturador" Saddam Hussein.
Caiam na real, ODDI! Deviam estar reclamando desses aiatolás demagogos que andam por aí. A vida no Iraque pode não ser perfeita, mas agora está melhor do que já foi durante muito, muito tempo.
Então, parem de pegar no pé do saddam. Afirmo que ele é um homem com o qual podemos negociar.


Não é sempre que um programa de televisão me deixa revoltada, mas a noite passada me senti assim.
Será que alguém nesse país consegue aguentar o Saddam Hussein no Nine O'Clock News, exibindo os chamados "reféns" que sadicamente propõe usar como escudo humano?
Esta imagem vai me perseguir pelo resto da vida; o espetáculo de uma criança indefesa sendo maltratada e apalpada por um dos mais odiosos e desumanos ditadores do mundo de hoje.
Se algum bem pode resultar de uma exibição revoltante dessas, será o de fazer os chamados "lobistas da paz" caírem em si e perceberem que não dá para ficarmos sentados e permitir que esse Cachorro Louco do Oriente Médio saia impune depois de cometer crimes tão terríveis.
Não estou me referindo só à invasão do Kwait. Todos os 11 anos da presidência de Saddam Hussein foram uma história longa e revoltante de tortura, brutalidade, intimidação e matanças. Se não acreditarem em mim, é só lerem os folhetos informativos publicados pelo ODDI (Os Defensores da Democracia no Iraque).
Não resta a menor dúvida: não podemos mais nos deter em escrúpulos morais; chegou a hora de agir.
Vamos rezar para que o presidente Bush e a Sra. Tatcher compreendam isso. E vamos rezar também para que o menininho corajoso e determinado que vimos em nossas telas de tevê ontem à noite viva para esquecer esse encontro com o Açougueiro de Bagdá.



* * *

- Ora, com base no que me disse - Falou Henry, ajeitando-se mais confortavelmente na poltrona - Eu diria que o Ministério da Indústria e Comércio ganhou a batalha por enquanto. Vou sugerir que mandem alguém a Bagdá nos próximos dois meses, e ofereçam aos iraquianos um belíssimo contrato de crédito bem generoso. Quanto foi que os americanos deram a eles?
- Vários bilhões, eu acho. Mas foi só para os grãos, coisa assim. Oficialmente, pelo menos.
- Hummm. Ora, eu acho que podemos chegar aí a umas setecentas ou oitocentas mil libras. Acha que está bom?
- Acho que sim. Vai vir a calhar.
- Eu presumo - disse Henry, inclinando-se para diante e olhando Mark nos olhos - que o Hussein pode mesmo pôr as mãos nessa grana, afinal. Quero dizer, crédito é uma coisa, mas nós queremos ter uma garantia de que ele vai pagar isso um dia.
Mark pensou cuidadosamente antes de dizer:
- O Iraque tem bons recursos naturais. Obviamente o dinheiro vai acabar se ele continuar gastando assim: mas não se esqueça de que tem um vizinho muito rico. Um vizinho rico e vulnerável.
- O Kwait?
Mark confirmou com a cabeça.
- Acha que ele invadiria esse país?
- Não hesitaria um só instante.- Sorriu enquanto Henry ruminava essa informação. - Mas esse é um palpite que pode nem se tornar realidade - disse ele.

* * *

- E de quem foi essa idéia brilhante?
- Quem sabe? De algum ministro do gabinete, de algum funcionário público, de algum guru acadêmico que tome parte em algum comitê de elaboração de diretrizes.
Um nome imediatamente passou pela minha cabeça. Henry.
- Mas é só nisso que pensam... na parte financeira? - falei.
- Nem sempre. - Dra. Gilliam sorriu amargurada. - Uma outra foi fechada alguns dias atrás. Sabe por quê?
- Continue, eu acredito.
- Vítimas de guerra.
- Mas não estamos em guerra - disse eu, nem mesmo sabendo se tinha escuado direito.
- Ora, alguém obviamente pensa que estaremos em breve, a menos que o Saddam tire o cavalinho da chuva. E este é um dos hospitais que recebeu ordens de arrumar espaço para nossos galantes rapazes da frente de combate.

* * *

Há apenas duas horas, forças aéreas aliadas começaram um ataque a alvos militares no Iraque e no Kwait. Esses ataques continuam enquanto eu estou aqui, falando com vocês.
Os vinte e oito países que enviaram tropas para a área do Golfo esgotaram todas as tentativas razoáveis para atingir uma solução pacífica, e não há escolha senão expulsar Saddam do Kwait à força. Nós não fracassaremos.
Alguns podem perguntar: por que agir agora? Por que não esperar? A resposta é clara: o mundo não podia mais esperar.
Este é um momento histórico.
Nossas operações se destinam a proteger da melhor forma possível as vidas de todos os povos dos países que compõem as forças de coalizão, alvejando o vasto arsenal militar de Saddam. Não temos mais como argumentar com o povo do Iraque. Aliás, quanto aos inocentes que sofrerão com esse conflito, oro por sua segurança.
Esta noite, enquanto nossas forças lutam, eles e suas famílias estarão presentes em nossas preces.
Não é fácil para nenhum presidente enviar seus filhos e filhas à guerra.
Que Deus abençoe todos eles, sem excessão.

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