Semana passada me baixou uma luz. Sentei à mesa da sala e comecei a rabiscar sem parar. Devo ter feito uns oito ou mais uniformes diferentes para a Mulher de Lua. Desenhei Mustafá e O Inquisidor, futuros aliados. Desenhei Penélope, fiel ajudante da nossa heroína (por enquanto só minha, na verdade) e até arrisquei umas duas tentativas num cachorro lunar.
Improvisei uma mesa de luz, colocando um abajur debaixo do tampo de vidro da mesa de jantar, e o resultado saiu melhor do que eu esperava. Isso me permitiu ser mais fiel ao traço "Bruce Timm" que resolvi (por conveniência e até um pouco de vício, antes de perceber o quanto se encaixava na história) dar aos personagens. Me deu também a oportunidade de trabahar melhor nas cores e nas roupas, sem me preocupar tanto com falhas de anatomia (que, tanto nesse caso quanto num desenho vetorial, haveria uma culpa maior do desenho original do que da minha mão, por assim dizer).
Tudo o que eu queria era correr ao scanner e jogar todos os rascunhos de uma só vez para o Alessandro, Emir, WC e quem estivesse passando pela lista Ab_Velta. Pra minha infelicidade, foi aí que começaram os problemas.
No meio do scanning, tudo ficou preto. Mese daqui, mexe de lá, e nada do scanner voltar a responder. Um par de reinicializações e apertos na porta de impressora depois, e o computador começou a travar. Travou umas quatro vezes antes de começar a reiniciar sozinho. Reiniciou umascinco vezes antes de começar a teimar em não ligar. Teimou umas três vezes antes da minha conexão sair pra tomar um cafézinho e eu passar quase a semana toda sem internet.
E era aquele martírio: ligar e ter de aguentar o modo de segurança. Reiniciar em modo normal e esperar dois anos pelo scandisk. Chutar a parede quando o computador reiniciava antes de abrir o windows. Tentar descobrir o que significava os apitos da torre quando ela resolvia não ligar, e por que cada vez era um apito diferente. Entrar em desespero quando nem apito ela dava.
Ontem pela manhã resolvi tentar de novo. Havia passado boa parte da sexta-feira e o sábado inteiro sem nem chegar perto desse monstrinho que por pouco não voou janela abaixo. Ligou. Não travou. A internet voltou. No fundo acho que devia ser estresse. Ele só precisava de um pouco de descanso. O scanner ainda não funciona, mas eu é que não me arrisco a mexer nele de novo depois de todo esse sufoco.
* * *
Descobri que o Eudes postou duas imagens d'Os Marcianos no Rapadura enquanto eu estava naufragado. Legal isso. O Eudes tem um público diário bastante cativo, e isso significa que uma meia dúzia de gatos pingados extra passou por aqui essa semana. Um deles foi o Paulo Antunes, que descobri que colaborou com a Mosh. O cara tem um traço muito maneiro, bem puxado pro cômico, mas sem muitos exageros que tenho visto por aí nos últimos tempos. Paulo, tô procurando desenhistas pr'Os Marcianos. Se tiver interessado, é só mandar um e-mail. O pagamento é o pior possível, mas a troca de experiências é boa e a equipe é das melhores (tô falando dos outros desenhistas, mesmo).
* * *
Como a idéia a princípio era publicar RA junto com Os Marcianos, fui atrás de quem talvez pudesse me tirar umas dúvidas. Mandei um e-mail pro Lalo perguntando se dava pra fazer o contato com os caras, e se ele achava que eles iam espernear muito. A resposta a essa última pergunta não foi das mais incentivadoras (apesar de ser apenas a opinião deles. Ainda não fiz o contato com os doutores de lá), porém o e-mail voltou com ótimas notícias. Parece que o ESC ganhou uma versão 2.0 e levou de brinde um carro pra comemorar a maioridade. Esse carro é a editora Mepaba, fundada pelo que pude notar, pelo Lalo e pela Mai, além de um terceiro nerd não citado. A idéia é publicar quadrinhos RPG, o pacote completo, e o Lalo já me deixou com as orelhas em pé de curiosidade quando falou do nosso antigo projeto, o HQ. Parece que dessa vez sai. Quando sair algo mais concreto, vou pedir ilustrações pra todo o povo das listas. Sou cara de pau, mesmo... E daí?
* * *
A Célia tem certos problemas pra pegar no sono. Constantemente ela me pede que conte números primos em voz alta ou conte alguma história de ninar. "Você vai ser um ótimo pai pros meus sobrinhos", disse minha cunhada. Talvez pudesse ser... Não fosse o fato de que sou absurdamente relutante nessa minha nova função. Quando me curvo à insistência daquela a quem dói dizer não, me atrapalho nas palavras, esqueço da continuidade, peço desculpas e digo que depois vou ler a história pra me lembrar melhor dos detalhes. Uma ótima saída é a leitura. O primeiro que li para ela foi Irmão Grim, Irmão Grim, e comecei a narrativa pelo telefone, quando eu estava longe demais pra botá-la pra dormir. Depois, durante uma semana ou mais, li Ali Babá e Os Quarenta Ladrões. Tentei ler uns dois contos que achei na internet, mas não obtive o mesmo resultado. Acho que vou dar uma geral pelos brechós procurando alguma daquelas coleções ilustradas, que vinham com Pinóquio, Pequena Sereia, etecetera.
* * *
Esta última semana tentamos algo diferente, e comecei a ler Merrick para ela. Ontem ela se virou para mim e admitiu:
- Isso tá um porre!
- Mas... Você que pediu pra eu ler esse...
- Eu sei, mas... Essa mulher é muito chata.
- Tudo bem. Ó! Fechei o livro, nem marquei a página em que a gente estava.
É. Anne Rice definitivamente não é a melhor opção de história de ninar.
* * *
Depois que eu colocava o livro na cabeceira e via Célia mergulhar no sono profundo, corria para o outro quarto e acendia a luz. Esses pequenos momentos depois que ela dorme, ou enquanto ela trabalha, são os poucos em que posso ler algum livro sossegado, com calma.
Não que a presença da Célia me incomode, mas ela exige total atenção quando está comigo. Eu sou um grude como ela, talvez até pior, mas ano passado não li nenhum livro por inteiro (tirando Justiceiros, sumariamente afanado do ex-namorado dela) devido a essa dedicação incondicional, e eu simplesmente piro se ficar muito tempo sem ler um bom livro. No momento estou lendo Memnoch. Passei uns dois meses vendo aquele livro permanecer estático sobre a mesa do telefone, na casa da Célia, e resolvi surrupiá-lo por uma semana. Quando a Célia for passar em casa de novo, vou pedir pra delicadamente deixar no mesmo lugar onde estava antes. Aposto que ninguém irá notar.
Livrinho bonzinho. Gostoso matar a saudade dos personagens das crônicas vampirescas. Lestat, no entanto, está mais babaca do que nunca. Chora o tempo todo e só falta gritar "Bate e me chama de Bete". É daquelas histórias que você tem de filtrar muito pra poder dizer depois que gostou. Roger é bom. Dora é bom. David é bom. Lestat tentando se concentrar em Dora enquanto pensava em lamber sua boceta menstruada definitivamente não é bom. Lestat apertar a mão de Deus e chupar o sangue de Cristo é péssimo. Bom, só pra dar risadas mesmo. Tenho feito resumos diários para a Célia, a medida que avanço na narrativa. Isso tem substituido as histórias de ninar, em algumas ocasiões. O último resumo causou reações divertidas.
- Não adianta, fofinho. Essa mulher tava muito chapada quando escreveu esse livro.
- Ela já nasceu chapada, amor.
* * *
Minha cunhada lê o blogue. Será que ela vai ficar indignada quando descobrir que o livro está comigo?
- Felipe Meyer
- Publicitário, redator e pseudo-quadrinhista. Ser humano do gênero masculino mais perto dos 30 que dos 20. Gestor de conteúdo do Jornal de Debates. Formado em Comunicação Social pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Casado, pai de uma linda coleção de revistas em quadrinhos, exilado de Florianópolis e tentando fazer a vida em São Paulo, na Auszuglândia.
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