Blair Underwood (de Regras do Jogo) interpreta um ator, que interpreta um ator, que interpreta o parceiro negro de Brad Pitt num filme não-identificado. Isso é apenas uma das caracterizações confusas de Full Frontal, de Steven Soderbergh, e exemplo de uma tendência mal-interpretada que vem sendo chamada de meta-linguagem.
Na verdade, "vem sendo chamada" não seria a expressão correta. A meta-linguagem é um conceito conhecido a muito tempo, presente inclusive nos escritos de Machado de Assis e em "Samba de uma Nota Só", de Newton Mendonça. É quando a linguagem assume a característica de voltar-se para si própria, a linguagem da linguagem. Em termos artísticos, "designa toda situação interna a uma obra em que se torna explícito haver um criador e/ou um receptor dessa obra". (1)
No caso desta "tendência" cinematográfica, pode-se dizer que o uso da meta-linguagem se dá sempre que autor e obra se confundem, ou mesmo quando há algum mecanismo que emule uma intimidade entre autor/personagem e o espectador. A Rosa Púrpura do Cairo, de Woody Allen é um bom exemplo de ambos os casos. A personagem assiste várias vezes ao mesmo filme, também chamado "A Rosa..." (a obra dentro da obra), "até que o personagem da tela a vê e a convida para entrar em seu mundo de fantasia". (2) Ficção e realidade misturam-se de uma forma que, nas mãos de cineastas inovadores como Soderbergh e Spike Jonze (de Adaptação), às vezes é necessário grande esforço para diferenciar um de outro.
O trailer de Full Frontal, infelizmente, causa uma impressão completamente errônea do filme. Em tom de comédia, o narrador anuncia-o como "Um filme que mostra a verdade dos bastidores de Hollywood", frase que me obriga a pensar de imediato em programas sensacionalistas e de gosto duvidoso que exploram a intimidade dos artistas. Pessoas que esperam por este tipo de situação se sentirão desapontadas. Comercialmente (e em minha humilde opinião) falando, o filme é chato. Uma narrativa lenta, um trabalho de edição aparentemente sem grandes cuidados, ausência de artifícios para passagem de tempo ou alternância de cenas, e trilha sonora inexistente. Assistir acompanhado é pedir para ouvir a pessoa ao lado roncar após os primeiros vinte minutos de filme (como aconteceu comigo).
Mais do qualquer coisa, é um filme experimental. Algo um tanto engraçado de se pensar, vindo de um diretor que emplacou sucessos como Erin Brockovich, Traffic e Onze Homens e um Segredo. Eu definiria como um "filme de fim de semana" (apesar de ter sido rodado em um espaço um pouco maior de tempo, mas ainda assim ridículo: dezoito dias). Soderbergh brincou com câmeras digitais sem se preocupar muito com o resultado, chamou vários amigos para "brincar" (os atores trabalharam de graça, sem cabeleireiros, maquiadores, e sem quase suporte técnico algum - tudo em nome da amizade e da brincadeira), gastou pouco mais de dois milhões de dólares e produziu um agradável aglomerado de histórias paralelas sobre pessoas semi-reais, quase palpáveis, que só parecem atingir um "lugar-comum" (ou não) nos últimos minutos do filme.
São histórias dentro de histórias, e pequenos momentos que parecem inúteis e acabam só deixando o espectador mais confuso. O típico filme oito ou oitenta, que uns gostam e outros odeiam. Mais para oitenta, pois é uma memorável façanha juntar em uma mesma sala mais de duas pessoas que tenham visto o filme e realmente gostado.


1 - Sérgio Barcellos Ximenes - Metalinguagem? Do tempo da vovozinha...
2 - Thaís Nicoleti de Camargo - Resumão/português - A metalinguagem, Folha de São Paulo, 05/12/2000

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