Blogue abandonado por uns tempos. Motivo: eu queria esfriar a cabeça, pra não ser injusto com ninguém. Resultado: falho.
A situação que surgiu é das mais chatas. Achei que tivesse criado um posição onde a família da Célia pudesse falar abertamente comigo sobre qualquer coisa. Estava enganado. Ou talvez comprove-se a teoria de que eles precisam sempre de uma desculpa nova pra incomodar. O fato é que depois de quase dez meses namorando com a Célia, dez meses em que ela praticamente não saiu daqui de casa, por insistência minha; em que quem paga os remédios dela sou eu; em que quem compra roupas pra ela sou eu; em que quem prepara a comida dela sou eu; em que quando ela precisa de uma calça para procurar emprego, quem tem de ir com ela comprar sou eu; depois desses meses todos, resolveram me tirar pra vagabundo e soltar a absurda milonga de que estão me sustentando.
Claro! Eu almoço lá duas vezes por semana, se tanto, e assisto tevê enquanto espero a Célia voltar. Vejam só o prejuízo que eu causo. Se não fosse por estes dois pratos de comida semanais eles já estariam de carro novo e com a casa terminada. Óbvio, só não percebe quem não quer.
Claro que há os pequenos detalhes, como o pai dela comprar um celular de oitocentos reais para ele, um celular de setecentos reais para a esposa, e andar de um lado para o outro reclamando como todos naquela família estão miseráveis e falidos. Como a irmã dela ter trabalhado uma única vez na via (a carreira de modelo, em que ela trabalhava por convites de festa, eu nem considero aqui), por uma mixaria, e ainda assim ter sempre uma roupa nova, enquanto que o irmão mais novo das duas anda pela casa feito um mendigo - com as calças acima das canelas e as camisas mal cobrindo a barriga. Detalhes, como eu disse, sem importância alguma. Como o fato do cartão do banco passar mais tempo na bolsa da irmã da Célia que nas mãos da proprietária dele - a mãe dela. E ainda assim se aceitar o desparate da irmã dela dizer que tudo o que tem comprou com o próprio dinheiro. Cegueira ou estupidez? Nem um nem outro. Detalhes, como eu disse, sem importância.
Fico pensando no namorado horrível que sou, e como eles têm razão de achar que não sou a pessoa certa para a Célia. Afinal, faço questão de ver a Célia todos os dias, beijá-la o tempo todo, repetir incansavelmente o quanto a amo; enquanto Renato, o genro perfeito, faz planos pra se mudar para os Estados Unidos e trabalhar como pedreiro (e só a namorada dele ainda não quis aceitar que ele não pretende voltar). Minha mãe vive de pensão, ó coitada, enquanto a família do Eduardo (não preciso entrar em de talhes sobre quem é o entojo) vivia sentada na grana. Minha mãe criou os filhos errado, disse a minha sogra. Tão errado que este filho que aqui escreve sempre fez questão de aproximar as duas famílias, de fazer com que se conhecessem, conversassem. Enquanto que a família do dito entojo os investigava na polícia militar e desejava que o filho arrumasse uma namorada de uma família "melhor".
Desculpem-me o desabafo cheio de rancor, mas fato é, se nesses dias todos eu não consegui tirar isso da cabeça, é porque o que aconteceu foi mais sério do que os envolvidos admitiriam. Estou cansado de receber ligações da Célia chorando por culpa da família dela. Estou cansado de ter de engolir os desaforos do pai dela com a desculpa de que ele está cada vez mais velho. Me irrito cada vez mais com a postura arrogante da mãe dela, que jamais admitirá que é menos perfeita que todas as outras pessoas.
Meu sogro, aliás, logo que me conheceu, me disse: "não precisa gostar de mim, só tem que cuidar direito da minha filha". Ouvir aquilo me fez tamanho bem - saber o quanto aquela família se preocupava com a minha namorada - que me criou um desejo gigantesco de provar que eu podia não só tratá-la melhor que qualquer outro já havia feito, mas também tratar muito bem a família dela, e conquistar o afeto de todos. E eu consegui. Ir para a casa da Célia muitas vezes valia a pena só pela companhia dela, mas a presença de sua família sempre foi um bônus agradável. Conversar de política e religião com a mãe dela (fui o primeiro a conseguir conversar essas coisas com ela e, principalmente, a gostar), jogar videogame e assistir anime com o irmão dela, cozinhar e falar mal da vida alheia com a irmã dela, quase matar a tia dela de cócegas, e sempre ter uma nova provocação na ponta da língua para competir com o pai dela.
Apesar de todo esse carinho, hoje não me preocupo em dizer que não pretendo voltar a pisar naquela casa. Ao menos não tão cedo. Minha mensagem é pura e simplesmente: não tenho obrigação de gostar deles, faço-o porque quero. Mas posso repensar a idéia. Tampouco me importo com o que pensam de mim, aliás, não dou a mínima pro que pensam de mim. A opinião deles não tem importância alguma, a única opinião válida é a da Célia. E ela, eu sei o quanto gosta de mim, do jeito que sou. Ela e o Júnior, meu jovem cunhado. Me dói o coração pensar em como vem sendo tratado naquela casa.
Eu sempre fiz o possível pra me manter imparcial nestes assuntos. Os problemas da Célia com a família dela são só dela própria. A minha função, não só como namorado mas como grande amigo (que insisto em ser) é a de segurar o rojão desse lado, oferecer um ombro para o choro, e propiciar momentos onde ela possa sorrir e esquecer das mágoas que lhe infligiram. Tomar partido é um erro costumeiro que só traz maiores complicações. A família é uma cruz que cada um carrega sozinho. Mas a atitude da família dela, desta última vez, foi de uma hipocrisia tamanha, que eu não pude ignorar. Principalmente porque foram feitas acusações a mim e à minha mãe, pelas nossas costas, quando não faltaram oportunidades que me dissessem cara a cara o que realmente pensavam de mim.
É uma pena, realmente. O bônus se tornou um incômodo.

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