Ontem eu tive um momento. Um daqueles momentos que você não sabe o motivo, como você chegou a ele, nem até onde ele vai lhe levar. Foi num instante, um lugar inusitado; como são normalmente esses momentos inusitados.
Estávamos falando sobre carros, e a maneira como dirigem os pais. Me preparei pra dizer "até hoje meu pai..." e parei no último instante, consertando: "meu pai dirigiu assim até morrer".
Aquilo me pegou de surpresa. Depois de oito anos, sentado no banco de trás, conversando sobre coisas aleatórias; eu me pego de repente falando (ou pensando) de meu pai como se ele ainda estivesse vivo. Me fez sentir por alguns segundos uma alegria imensa, uma sensação gostosa como quando ele chegava do trabalho e corríamos, eu e meu irmão, para abraçá-lo, quase o derrubando. Logo depois, veio aquela gigantesca saudade, e aquela tristeza sem nome, o vazio que se cria no seu universo único, quando alguém que lhe importa tanto, de repente desaparece, não está mais lá.
Chegamos ao Maria Bonita. Íamos jogar sinuca. Desci do carro e pedi que fossem na frente, pois eu tinha algo pra fazer. Fui até a ponta do trapiche, olhei para o céu e rezei. Entre duas nuvens eu via algumas estrelas, e conversava com Deus em voz alta, com os olhos cheios de lágrimas. Admiti depois de tanto tempo, mais para mim mesmo que para Ele, toda a minha confiança, meu amor, minha crença numa força superior.
Chorei muito. Havia muito tempo que eu não chorava como chorei ontem. Havia muito tempo que eu sequer chorava, salvo em filmes sobre pais e filhos. Este aspecto de minha sensibilidade eu nunca consegui esconder de ninguém.
Fiz um pedido a Deus e implorei que o atendesse, sem perguntar preço. Também não impus condições, prometi não ficar decepcionado se não fosse atendido, pedi perdão caso eu não compreendesse o que fosse me dito.
O celular tocou. Célia e os outros estavam na frente do carro, me esperando. Me despedi de Deus e fui até eles, sem obter resposta ao meu pedido. Célia, desconfiada como sempre, achou que eu havia desaparecido com alguma garotinha. Não sei se ela não acreditou quando lhe disse que estava rezando, ou se simplesmente achou engraçado. De qualquer modo, meu rosto molhado de lágrimas agiu em meu favor e ela não fez mais perguntas. Voltamos para casa, parando antes para comer alguma coisa. Discutimos sobre consórcios, cartas de crédito, namoradas desconfiadas, e outras coisas que me fizeram deixar de lado o meu momento sublime.
Só hoje, cansado e de ressaca, enquanto escrevia esse post, me dei conta de que meu pedido havia sido atendido: alguns minutos antes de chegarmos ao Maria Bonita, enquanto o carro fazia uma curva no morro da Lagoa e o rádio tocava "Run to Me".
Pai, eu sinto saudades.

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