"O mundo féxion entrou em crise"
Ou: Quadrinhos Mudérnos
Parte III

criadores mudérnos e fictícios de quadrinhos mudérnos e fictícios (ou não)

Em "Procura-se Amy" temos um ótimo exemplo do que quero dizer com o título acima. "White Hating Coon" é uma história em quadrinhos sobre um guerreiro africano em trajes selvagens combatendo a "escória branca". Hooper LaMont, ou simplesmente Hooper X (interpretado por Dwight Ewell), criador do personagem, já na sua cena de aparição envolve-se em uma discussão com Holden McNeil (Ben Afleck) e Banky Edwards (Jason Lee) sobre a mensagem racista da trilogia de Guerra nas Estrelas. Ao fim da discussão, Hooper, enfurecido, saca uma arma e desfere vários tiros contra Banky, fazendo a multidão correr em desespero. Quem viu o filme sabe que tudo não passava de uma encenação, um golpe para promover a revista. Uma encenação não maior que a postura "Black Rage" de Hooper, que é homossexual, bastante afeminado - diga-se de passagem - e não tem nada contra seus amigos quadrinistas brancos e heterossexuais. Quanto ao gibi: um deus núbio semi-nu pulando pra lá e pra cá exibindo uma tanguinha de tigresa. Precisa dizer que o "autor" transferiu suas fantasias para o personagem?

Ainda no mesmo filme, temos várias citações à homossexualidade. A própria Alyssa Jones (Joey Lauren Adams), par romântico de Holden e co-protagonista do filme, é apresentada ao público como uma quadrinista lésbica. Ela é autora do gibi "Indiosyncratic Routine", cuja capa é bastante sugestiva em relação ao tema abordado. Apesar de Joey Lauren Adams não ser lésbica, Kevin Smith (que escreveu e dirigiu o filme, além de interpretar o personagem Silent Bob) admite que a história de Chasing Amy foi inspirada na sua incapacidade de lidar com o passado da atriz (com quem namorou por algum tempo).

Para completar o ciclo de criadores Mudérnos, temos Holden. Holden não é gay, nem bissexual, mas passa perto. Assim como Kevin Smith, ele não aceita o passado de Alyssa, e acaba tentando resolver as coisas da pior maneira possível. Ele acaba beijando Banky, seu melhor amigo, e propõe a Banky e Alyssa uma putaria a três, como forma de eliminar as rixas do trio. Depois de perceber o quão estúpida foi a idéia, e perder Alyssa de vez, ele produz, independentemente, a revista "Chasing Amy", contando a história do romance dos dois, e pedindo perdão a Alyssa, "onde quer que você esteja".

Deixando Kevin Smith um pouco de lado e pulando para "Queer As Folk". A série, originalmente produzida na Europa, contou com dez episódios antes de ser cancelada. O canal americano Showtime resolveu fazer uma versão a la Uncle Sam, mantendo o trio original de protagonistas, o título, e o roteiro original, pelo menos nos treze capítulos introdutórios. A partir daí a série, que no Brasil foi traduzida como "Os Assumidos", tomou um outro rumo, e permitiu-se desenvolver melhor os outros personagens, o que tornou-a ainda mais atrativa. Um destes personagens é Justin Taylor (Randy Harrison), um jovem (e bote jovem nisso. Pense em corrupção de menores) desenhista que apaixona-se pelo publicitário bem-sucedido Brian Kinney (Gale Harold) após o que podemos chamar de "transa casual". Adicionando Michael Novotny (Hal Sparks), temos todo o necessário para falar do super-herói "Rage".
Michael e Brian são amigos de muitos anos. Foi Brian quem presenteou Michael com a edição número um de "Captain Astro", super-herói aclamado pelos leitores gays. Em certo ponto da história, Michael decide correr atrás de seu sonho. Leiloa "Captain Astro #1" pelo E-Bay, e com o dinheiro da venda compra uma velha loja de quadrinhos. Nesta loja, ele se depara com as reclamações sobre o fim do Captain Astro. Dêem uma olhada na declaração de Michael sobre o fim da revista:




"Os rumores são de que a magnífica série de quadrinhos do Capitão Astro foi levado a um fim de duração indeterminada, pela pressão de atitudes negativas acerca de sua sexualidade ambígua. Ambígua o meu cu! Capitão Astro era o mais orgulhoso, o mais gay, e o mais fabuloso super-herói a dar a graça de sua presença nos quadrinhos. Não houvesse ele sido censurado e boicotado por seus covardes distribuidores, estou certo de que o Capitão teria orgulhosamente declarado sua identidade gay ao mundo. Infelizmente, ele nunca terá esta chance. Alguém deve ocupar o seu lugar como o principal super-herói gay do mundo."

E desta forma surge Rage, desenhado por Justin, escrito por Michael, e financiado por Brian. A primeira edição da revista está à disposição no site do canal Showtime, mas infelizmente, é restrito aos visitantes americanos. Para os internacionais como nós, a história pode ser lida aqui. Rage é obviamente inspirado nos seus três "criadores". Rage, o herói, é ninguém menos que Brian, enquanto seu parceiro Zephir é Michael dos pés à cabeça. Na primeira aventura do herói, ele não somente salva como também contracena em uma cena romântica com o jovem JT (pra quem não sacou: Justin Taylor), que estava sendo espancado por homofóbicos. Rage e Zephir voam pelos céus de Gayopolis, lutando contra o preconceito e buscando sempre muito sexo.

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