Ontem foi um dia para se fugir de tudo

Menos da política. Definitivamente, não havia meio de ignorar o que acontecia em nosso país. Eu, por exemplo, até tentei. No primeiro turno, passei o dia em casa, à frente do computador. Acompanhava as notícias minuto a minuto, cada nova urna quebrada, cada novo eleitor preso por estar bêbado ou fazer boca de urna. Acompanhei a apuração pela tevê e internet, alternei entre os canais Band News e CNN que praticamente só falavam das nossas eleições... Já no segundo turno, fugi de tudo isso.
Já tinha praticamente minha opinião formada. Votaria no Lula, sem dúvida, isso não se discutia. Nenhum dos candidatos a governador me agradava desde o primeiro turno, e essa impressão não mudou no segundo. Pretendia anular este voto, mas sabia que acabaria não o fazendo. Diferente do primeiro turno, acompanhei pouco as notícias destas últimas três semanas, ignorei o horário político, não li/assisti/ouvi as declarações dos candidatos. Os planos se resumiam a: acordar de manhã, votar, e fugir para a praia (afinal, eu jamais vi uma eleição em dia feio).
Mas como disse, é impossível fugir. Na frente da urna, me surgiram todos os discursos que minha mãe sempre fez sobre a importância do voto, de como a minha abstenção desfavorecia à democracia pela qual tanto lutaram os brasileiros no passado. Acho todo esse papo um monte de asneiras fantasiosas, que elevam demais a pouca glória do sistema em que vivemos, mas acabei me deixando afetar, e votei. Jamais acreditei que algum dia eu fosse votar no Amin. Mas votei. Amin é um filhote da ditadura que eu nunca suportei e todo mundo sabe que não presta. Luiz Henrique é outro filhote da ditadura, que não fede nem cheira, mas é burro feito uma jaca e não deve prestar também. Por via das dúvidas, foi o Amin mesmo, pra não ter de pensar muito. Me arrependi quinze minutos depois de deixar a zona eleitoral.
Na praia o papo era sexo, antigos namoros, música, e outros assuntos cotidianos sem muita importância. Tudo puro lazer. Mas é impossível fugir. A Gisele ligou, e logo quisemos saber como andava a pesquisa boca de urna. Lula tinha sessenta e três porcento e Luiz Henrique e Amin estavam praticamente empatados. "Vai ser voto a voto", disse o Windblow.
Voltando para casa, deixa Windblow aqui, deixa Patsy lá, a cidade estava um caos. Lula já era considerado eleito, e Luiz Henrique tinha a liderança por dezessete mil votos. Não parecia possível estacionar o carro em qualquer lugar. No Koxixo's, carros de som e um grande palco se preparavam para uma vitória do Amin, enquanto a polícia militar bloqueava a entrada dos carros. Disputando lugar com os carros caros e de grandes caixas de som, tocando techno, funk e alguns estilos de música que eu prefiro não saber sequer o nome; haviam as pessoas reunidas em volta do rádio do carro, acompanhando a apuração dos votos e torcendo por uma vitória petista.
Em casa, minha mãe brigava com todos. Chamava os eleitores de idiotas, ignorantes, e acusava-os de destruirem o Brasil. Lula já era presidente, mesmo antes do fim da apuração, e Luiz Henrique continuava na liderança, como eu havia previsto para o Windblowdurante a tarde. Apesar das exaltações, dos humores comprometidos, foi uma discussão engraçada. Minha mãe havia votado no Lula mas reclamava de sua vitória. Eu havia votado no Amin, mas torcia pela vitória de Luiz Henrique. Neoliberalismo, manutenções do capitalismo, dívida externa, pagar ou não pagar, empregos, teorias paranóicos de conspiração... Insisti ao meu cunhado que não acreditava que o Lula permanecesse mais de um ano no poder, e que não teria dado meu voto ao "Lulinha paz e amor" se ele defendesse durante a campanha as idéias revolucionárias-trotskistas que o PT defende nas suas bases. Revolução se faz com tiro na testa, não com eleição, eu disse.
Lula ganou. Daqui a pouco vai ter neguinho correndo pelado na rua, eu disse. E não tenho dúvidas de que em algum lugar isso aconteceu. Parecia final de copa do mundo. Os carros buzinavam, as pessoas pintavam a cara, corrinam pelas ruas enroladas em bandeiras do Brasil e do PT, e os carros de som do Amin desapareceram. Em questão de minutos, depois de termos voltado ao Koxixo's, os caminhões, o palco, os policiais; tudo sumiu. Restaram as pessoas a comemorar. O tráfego se normalizou, o movimento diminuiu e se dividiu. Bares, restaurantes, lanchonetes, estavam todos lotados. Passando em frente deles, me vinha à mente a idéia, de que em nenhum deles, nenhum mesmo, devia haver alguém falando sobre futebol ou sobre a novela das oito. Não existia outro assunto a se discutir, que não fosse a nossa última eleição e, principalmente, a vitória de Lula.
Acompanho as eleições desde oitenta e nove, quando ainda tinha oito anos, e fiz questão de participar das últimas três, me arriscando a parecer um grande idealista que dá mais importância do que deve a este "processo democrático". Bom, eu dou! Em noventa e oito disse: "Voto porque posso e quero. Sei que na próxima eleição votarei porque devo", porém votei querendo. E definitivamente, jamais vi uma eleição como essa. Ontem, se fez história.
Independente se o rumo da história daqui pra frente for favorável ou não.

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