Ontem, sentados a uma mesa do Underground Rock Bar, tomando algumas cervejas (Bavaria. Não a minha favorita, mas ainda assim, boa), Julio, Aragão e eu conversávamos sobre assuntos aleatórios: quadrinhos, música, desenhos animados nostálgicos, lesbianismo, manga... Deste último assunto, pronuncio algumas opiniões, sobre o chamado "mangaijin" (palavra pouco usada, mas que se refere a manga de produção ocidental):

- Manga não se trata meramente de olhos grandes e narizes estilizados. Manga tem toda uma específica narrativa, temática, e ponto de vista.
- Manga deve ser cinematográfico. Leitura rápida e dinâmica, com ação extremamente evidente e facilmente assimilada pelos olhos.
- Por mais séria que seja a abordagem, devem constar esporádicas doses de humor e satirização.
- O ponto de vista sexual deve ser diferenciado, respeitando a faixa etária e o sexo do público alvo. A homossexualidade é presente nos mangas para garotas, assim como a nudez feminina é constante nos mangas para garotos. Nudez, no caso, respeita alguns termos básicos: mangas adolescentes mostram seios mas não mostram mamilos; mangas adultos mostram seios detalhados, mas não mostram pelos pubianos nem genitálias (no caso de mangas hentai, ou seja, pornôs, tarjas pretas ou distorções cobrem cenas de penetração, felação e outras atitudes sexuais. A genitália masculina nunca é mostrada em detalhes, apenas em contorno, e a penetração pode ser simulada por cenas que sugiram o interior de uma vagina). Nos mangas para garotas, a figura masculina ideal é sempre andrógina, delicada, e comumente muito mais bela que as mulheres retratadas.
- Cores são permitidas, mas desnecessárias. No japão, o manga é um bem de consumo imediato: lê-se uma edição semanal de 400 páginas enquanto se espera o metrô; ao fim da leitura, joga-se a revista no lixo (otakus - termo que no japão se refere a pessoas que isolam-se do munto exterior por meio de video-games, filmes e quadrinhos - são ocasionais excessões à regra). A ausência de grandes preocupações quanto à qualidade editorial (leia-se: papel de grande qualidade e páginas multicoloridas) torna o manga um produto barato e acessível à maior parte da população. Não estou dizendo que mangas não devem ser coloridos, por favor, não entendam errado. A editora Trama, por exemplo, usa de um recurso bastante comum, e muito bom: algumas páginas de introdução coloridas, e o restante da história em preto e branco. Outra alternativa para aproveitar as cores em um manga, sem perder a "magia" que o torna artefato de uma cultura ímpar, é a transmissão de sentimentos através da impressão monocromática: ao contrário dos ocidentais, no Japão não se associam as cores muito com o reflexo de luz e sombras, mas sim a signifados ou sentimentos; por exemplo, o vermelho combinado ao fundo branco passa a impressão de vitalidade, pureza. Sugere imediatamente aos olhos do japonês a idéia de felicidade, celebração; enquanto que o verde vem a ser a cor da vida, do espírito eterno, devido à integração com a natureza, existente na cultura japonesa. Os tons de verde utilizados são os mais variados possíveis, sugerindo "a complexidade da vida e do espírita que coabita em cada um de nós", conforme descreve Sonia Bibe Luyten, no livro "Manga - o poder dos quadrinhos japoneses"; o azul sugere o sentimento maternal (o Japão é um arquipélago, portanto, sua mãe é o mar); o preto sugere mistério, desconhecido; e o amarelo, ou dourado, dá um ar de prosperidade (remete-se aos campos de arroz maduro).
- A violência, também, deve ser abordada de um modo totalmente averso ao "estilo ocidental de se fazer quadrinhos". Devido aos resultados da Segunda Guerra Mundial (por exemplo, o Japão é o único país do mundo a abdicar totalmente, em sua constituição, de qualquer tipo de organização ou indústria bélica/militar), o manga tornou-se, para os japoneses, uma espécie de válvula de escape para a ausência de violência em sua sociedade (não que ela não exista. O Japão é um país violento como qualquer outro, porém esta violência é menos presente para o cidadão-comum japonês, e muitos dos casos de abuso - físico ou sexual - não são sequer denunciados ou noticiados). Desmembramentos, torturas, disputas até a morte com personagens sangrando galões de sangue a mais do que comporta o corpo humano... Tudo isso é permitido. Aliás, muitas vezes, é necessário! Outros exemplos de ações que seriam consideradas abomináveis em produções ocidentais, mas que são comuns aós olhos do público japonês: estupro, pedofilia, encesto, zoofilia, entre outros.
- A leitura é um ponto especial e se pensar. O manga é lido de trás para a frente (do ponto de vista ocidental, obviamente), e têm-se tornado comum a publicação no ocidente, de mangas no seu formato original de leitura (adaptações cuidadosas, como AKIRA, de mangas com leitura ocidentalizada, demonstraram vários problemas: como cenas confusas de compreender, devido ao ângulo em que ela deveria ocorrer, e o fato de que 80% dos personagens acabavam virando canhotos ^_^). Eu, pessoalmente, já me acostumei com esse tipo de leitura (principalmente por ler scans de manga na internet, que são quase sempre publicados desse modo), mas em se tratando de um manga feito no Brasil, por exemplo, isto não é um quesito obrigatório. Mesmo porque, as tentativas que tive conhecimento até agora, foram extremamente frustrantes.

Creio que seja isso, por enquanto... Abaixo segue uma pequena lista de "mangaijins" que, no meu ponto de vista, conseguiram preencher os requisitos para serem considerados realmente mangas, e os que não tiveram sucesso algum.

Vitoriosos: Holy Avengers (Brasil), Dragon Fall (Espanha), Ronin (Não é exatamente um manga, mas Frank Miller conseguiu uma junção perfeita de várias características da narrativa japonesa - ou mais especificamente do gekiga), O Samurai (Claudio Seto - Brasil; outro bom exemplo de narrativa do gekiga), Dirty Pair (EUA).
Fracassados: Fighter Dolls (Brasil), Victory (Brasil), Mangaverse (tentativa fracassada da Marvel, excluindo-se, talvez, Spiderman e Avengers).

E estes são apenas os que eu consigo lembrar agora... Há dois mangas nacionais que eu tive a chance de dar uma lida que são MUITO bons, apesar de eu não lembrar os nomes, e tem também muito material publicado por editoras norte-americanas que merecem ir para o lixo, só pela tentativa de vender mais revistas, associando-as ao termo manga indevidamente. ^_^

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