Meu Amigo "Super Interessante"
Eu devia ter meus dez ou onze anos. Suponho isso, por me parecer recente, à época, a minha mudança para o Centro. Entenda, morei vários anos da minha vida (mais especificamente, os anos que serviram para moldar o meu caráter e a base das minhas crenças: minha infância propriamente dita) na Trindade, bairro extremamente calmo e sossegado, naqueles tempos. Por isso é quase palpável a noção de tempo, nos primeiros anos tentando me adaptar a um novo ambiente.
Em um aspecto, pelo menos, esse novo ambiente assemelhava-se ao antigo: eu morava bem em frente a um supermercado. A imprudência ao atravessar a rua para comprar bobagens continuou a mesma. A habilidade de fazer amizade com o jornaleiro, também.
Foi dentro desse supermercado (na época Santa Mônica, hoje Hippo) que encontrei o meu amigo "super interessante". Era um rapaz alto, de cabelo liso penteado para o lado e grandes óculos. Desinibido, como era, e ainda sou, cheguei perto e me apresentei. Ele me recebeu com um largo sorriso e me mostrou uma revista. Obviamente, ele estava ali para vender a tal revista (um doce, como prêmio de consolação, para aquele que ainda nã descobriu que revista era aquela), e a princípio tentou chamar mais a atenção de minha mãe, do que a minha. Mas ainda assim, eu prestava atenção em cada palavra que ele dizia, com os olhos bem abertos, quase brilhando, e o queixo caído, quase alheio ao mundo à minha volta, como se apenas existissem ali a mim e as palavras.
Voltei mais vezes. Sempre que podia. A princípio, inventava coisas e coisas que minha mãe precisava comprar (algumas destas sugestões chegavam a ser absurdas); com o tempo, passei a ir sozinho. Ficava horas incontáveis parado à frente do pequeno estande, folheando revistas e escutando o meu amigo falar. Ele me contava sobre as estrelas, do que eram feitas, como nasciam e como morriam. Me falava de aviões modernos e super-secretos criados pelo governo norte-americano. Citava nomes imensos que eu não conseguia decorar, de cientistas do passado e o que eles provaram ou tentaram provar. Aumentava cada vez mais a minha fascinação por aquele mundo mágico da ciência e do conhecimento universal. Por diversas vezes insisti que minha mãe me desse de presente, a assinatura daquela revista, mais pela admiração que tinha pelo meu amigo, do que qualquer tentativa dele de vendê-la. De fato, muito tempo antes ele havia desistido de tal coisa, e parecia aproveitar tanto quanto eu as tardes que passávamos juntos. Ele ensinando, e eu aprendendo.
Até que ele foi embora. Eu, criança sonhadora, pensei que ele estaria sempre lá para mim... Mas ele havia ido embora. Lembro-me de ter voltado ao supermercado dias e dias seguidos, esperando o meu amigo voltar para me contar novas histórias. Quando enfim percebi que ele não voltaria, chorei durante uma tarde inteira. Encontrei-o quase um ano depois (ou não... é engraçado como hoje a noção de tempo parece irreal, ao contrário do "palpável" a que me referi no início do texto, que de fato traduz perfeitamente as minhas lembranças daqueles dois primeiros anos após a mudança). Eu já sentia-me mais crescido, e menos fascinado por aquelas velhas histórias. Por coincidência, talvez, minha mãe havia me dado a assinatura daquela revista, a qual eu "devorava" em um dia e meio, assim que ela chegava na minha casa. Não que tudo aquilo houvesse pertido sua mágica. Acho que, na verdade, quem havia perdido a mágica era eu. Tive vontade de chorar quando reencontrei o meu amigo, mas me contive. Acenei, e esperei ele se virar para mim, com um sorriso largo e os olhos derramando felicidade. Ele explicou que não pôde se despedir por causa da faculdade, e que seu novo emprego o deixava com muito pouco tempo livre. Era feira do livro, e eu não precisei fazer pergunta alguma para saber que ele agora trabalhava nas Livrarias Alemãs. Voltei à feira mais umas duas ou três vezes. Parava, acenava, sorria. Folheava alguns livros, não me interessava por nenhum (não haviam muitos livros sobre como as estrelas nasciam e morriam). Ficava parado lá, por quinze minutos, talvez meia hora. Então sorria e me despedia do meu amigo super "interessante". Só o vi novamente depois de vários meses, quando tomei coragem e fui na sede das Livrarias Alemãs. Vários meses, de novo, ate que eu retornasse lá, e descobrisse que novamente o meu amigo "super interessante" havia ido embora.
Hoje, lendo pela segunda vez "O Cair da Noite", de Isaac Asimov, sinto saudades do meu amigo super interessante... Gostaria ao menos de lembrar o nome dele.
- Felipe Meyer
- Publicitário, redator e pseudo-quadrinhista. Ser humano do gênero masculino mais perto dos 30 que dos 20. Gestor de conteúdo do Jornal de Debates. Formado em Comunicação Social pela Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina. Casado, pai de uma linda coleção de revistas em quadrinhos, exilado de Florianópolis e tentando fazer a vida em São Paulo, na Auszuglândia.
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